'Passei a cozinhar com carvão': como a inflação deve afetar os mais pobres em 2021

                                 Passei a cozinhar com lenha Porque o gás está caro fora bolsonaro

Anely cozinha marmitas para fora em seu fogareiro de carvão — Foto: Arquivo pessoal


A máscara esconde o sorriso, mas a simpatia está toda lá. E é com ela que Anely Rodrigues dos Santos, de 48 anos e moradora do Guará I, cidade-satélite de Brasília (DF), apresenta para a câmera do celular o cardápio do dia.


"Minha dobradinha está pronta aqui, feita no fogão à lenha. Meu arroz também está prontinho. E a salada: brócolis, tomate e batata com tomatinho cereja", diz Santos no vídeo, postado em um grupo de moradores do Guará no Facebook.


A alegria no registro esconde a história de dificuldades que levou a ex-doméstica a passar a cozinhar marmitas para fora, como forma de conseguir alguma renda, após perder o emprego na pandemia.


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"Antes, eu trabalhava numa casa de família, como mensalista. Mas, sem escola e creche, e sem nenhum lugar que eu pudesse pagar, meu filho não tinha onde ficar, então tive que sair", conta Santos.


"Você está acostumada a receber todo mês seu salário, aí fica sem dinheiro, você fica apavorada. Aí comecei a fazer as marmitas de fim de semana", diz a cozinheira, que contou ainda com a renda do auxílio emergencial, agora reduzido a R$ 300.

"Faço dobradinha, feijoada, sarapatel, essas comidas assim grosseironas. Fiz um fogareiro e estou cozinhando no carvão, que é mais rápido e mais barato do que o gás."

Com o fogareiro a carvão, a moradora do Distrito Federal dribla o desemprego e a alta de preços do gás.


Mas a perspectiva para 2021 é de que os preços controlados pelo governo, que foram um fator de alívio para a inflação na maior parte deste ano, voltem a pesar no bolso dos brasileiros, num momento em que a alta de preços dos alimentos deve perder força.

Rodada de reajustes

Na última quinta-feira (3), a Petrobras anunciou mais um reajuste de 5% do botijão de gás às distribuidoras.


No ano, o combustível de maior peso na renda das famílias mais pobres já acumula alta de 21,9% no atacado, acompanhando o aumento da cotação internacional e a variação do dólar.


Ainda nesse fim de ano, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) surpreendeu a todos, ao antecipar para dezembro a reativação da bandeira vermelha nas contas de luz, gerando uma cobrança adicional de R$ 6,24 para cada 100 KWh (quilowatt-hora) consumidos.


Antes disso, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) determinou que o reajustes de planos de saúde adiados em 2020 sejam aplicados a partir de janeiro de 2021, de forma diluída, em 12 parcelas. Esse é um aumento de preços que pesa mais para a classe média.

E, a partir de janeiro, são esperados ainda os reajustes do transporte público e as correções anuais das contas de luz, que devem tornar a energia ainda mais cara, para além do acionamento da bandeira tarifária. A gasolina e o diesel também devem subir no próximo ano.


'Bondade hoje pode ser maldade amanhã'

"A natureza dos preços monitorados é que eles dependem de decisões governamentais. Esse ano, por conta da pandemia, existiram decisões espraiadas por todo o Brasil de atrasar reajustes, reduzi-los, mitigá-los ou até mesmo anulá-los", diz Fabio Romão, analista de inflação da LCA Consultores.


"Isso foi feito para preservar principalmente a renda das famílias menos abastadas. Dois grandes exemplos disso são a energia elétrica e a taxa de água e esgoto", cita o economista.


"A bondade de hoje pode ser a maldade de amanhã, chega uma hora que será preciso reajustar esses preços e talvez até ter compensações ao alívio gerado em 2020."


A estimativa da LCA é de uma alta de 2,42% para os preços administrados em 2020 e de 3,70% em 2021. Antes, a projeção era de altas em torno de 1% e 4,5% respectivamente, mas o reajuste foi antecipado pela decisão da Aneel de acionar a bandeira vermelha já em dezembro.

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