Exército fez vigilância em massa na internet para influenciar o Congresso

 


Durante mais de quatro meses, entre julho e novembro de 2019, o Exército rastreou na internet, coletou dados pessoais e vigiou civis e militares, partidos políticos, parlamentares, jornalistas, advogados, entidades e veículos  de comunicação — entre eles, Veja. No mundo real, o nome disso é espionagem.


Foi uma operação de lobby político conduzida pela cúpula das Forças Armadas para influenciar o Congresso na aprovação de uma legislação corporativa — a de reestruturação das carreiras e das aposentadorias militares.


A varredura eletrônica com objetivo político incluiu publicações, portais e redes sociais (Twitter, Facebook, Youtube e Instagram, entre outras), com ações de coleta de dados em massa sobre até 12 milhões de perfis, diariamente, para identificar críticos e “ganhar a narrativa” sobre o projeto (nº 1.645/2019) que estava em tramitação no Legislativo.


Câmara e Senado aprovaram a lei de reestruturação das carreiras e aposentadorias dos militares, sancionada por Jair Bolsonaro no dia 16 de dezembro de 2019.


É a primeira vez que se tem registro da mobilização das Forças Armadas, com uso de pessoal e recursos das  seções de Defesa Cibernética, de Inteligência e de Comunicações, numa ação abrangente e sistemática de rastreamento, vigilância e coleta eletrônica de dados de civis, militares, empresas privadas e entidades associativas dentro do território nacional. E com finalidade política.


A operação foi revelada pela Revista Sociedade Militar, também vigiada, a partir de extratos de 15 documentos do Exército. Por meio da Lei de Acesso à Informação a revista conseguiu, na semana passada a liberação de um lote de papéis oficiais, parte das análises diárias de uma seções do Exército diretamente envolvidas, a de Comunicação [clique aqui para obter cópia].


Neles se descreve uma varredura constante sobre “dados públicos disponíveis e coletados, quantitativos de notícias, informações e interações nas mídias digitais e de perfis influentes nas redes sociais”.


Não é possível aferir, a partir dessa documentação, se das três Armas somente o Exército esteve envolvido, se agências militarizadas como a Abin participaram, e, também, se a coleta foi além da fronteira pública indicada. Mas é notável que no lote de documentos divulgados o Exército tenha se preocupado em cobrir com tarja negra as identidades dos seus “alvos”, os conteúdos analisados e, também, o método e a extensão das iniciativas de contra-informação adotadas. Se todas as informações eram públicas, não haveria justificativa para censura na divulgação.


Fica claro que houve debate interno sobre o recrutamento de “influenciadores positivos” para “reverberar narrativa favorável em defesa do projeto de lei”.


Ainda que tenha se restringido a dados públicos, eventualmente inócuos, a iniciativa da cúpula das Forças Armadas é legalmente questionável.


Uma das razões é a mobilização do Exército numa operação institucional de coleta de dados pessoais em massa de civis e militares, partidos políticos, empresas e entidades associativas, em território nacional. Pode ser entendida como espionagem política doméstica.


Outro motivo é a interferência militar com o objetivo expresso de influenciar no debate e na decisão do Congresso para promover uma iniciativa política do governo, moldada segundo a visão corporativa da chefia das Forças Armadas. Pode ser considerada indevida e deflagrar uma disputa nos tribunais sobre a legitimidade dessa lei aprovada há dois anos, que ainda motiva polêmica pelos privilégios concedidos aos que chegam ao topo da carreira militar.

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