Linhas precisaram fazer trajetos alternativos com ocorrência no Itanhangá, o que não evitou que muitos veículos ficassem presos em uma longa fila
O sequestro de ônibus para serem usados como barricadas por bandidos contra o avanço de operações policiais em áreas conflagradas, tática mais comum em regiões como Santa Cruz e Cordovil, levou terror nesta quarta-feira ao Itanhangá, bairro vizinho à Barra da Tijuca, na Zona Oeste. No fim da manhã, homens armados interceptaram nove coletivos que foram atravessados na principal via da região, onde condomínios de luxo ficam diante de favelas que se expandiram muito nos últimos anos. Motoristas e passageiros foram obrigados a descer dos veículos às pressas. De acordo com o RioÔnibus, 97 coletivos foram alvos desse tipo de ataque desde janeiro, somando prejuízo de R$ 22,6 milhões às empresas, que também leva em conta 8 coletivos incendiados no período, além de expressivos 1750 vandalizados.
O ataque ocorreu quando policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) faziam uma operação nas comunidades da Tijuquinha, da Muzema, do Banco e Rio das Pedras. O fechamento da Estrada do Itanhangá por cerca de duas horas deixou o trânsito caótico no bairro. Muitos motoristas tentaram desviar do bloqueio, dando ré, o que tumultuou ainda mais a situação. As linhas de ônibus mudaram seus trajetos, mas alguns coletivos formaram uma grande fila na via à espera da reabertura. Não houve presos nem feridos.
A Polícia Militar informou que a ação do Bope foi deflagrada para evitar a invasão de Rio das Pedras por traficantes do Comando Vermelho (CV) — a comunidade é considerada o berço da milícia no Rio. A maior facção criminosa do estado já controla totalmente o Morro do Banco, a Tijuquinha e a Muzema, que sempre foram dominados por grupos paramilitares, além de uma pequena parte de Rio das Pedras.
Ao falar sobre a ação do tráfico no Itanhangá numa entrevista ao programa Estúdio i, da GloboNews, o secretário estadual de Segurança Pública, Victor César Santos, afirmou que “a desordem urbana é a regra no Rio de Janeiro, e a gente não pode negar isso”, citando que o estado tem 1.900 favelas. Segundo ele, “o grande desafio” é a “quantidade de armamento na mão de criminosos”. Santos ainda ressaltou que o Rio não produz armas.
Ônibus são sequestrados e usados como barricada no Itanhangá — Foto: Márcia Foletto
Operação ‘exitosa’
Victor Santos disse que a Polícia Militar atuou para “prevenir um mal maior”, caso os traficantes invadissem Rio das Pedras. Para ele, neste sentido a operação foi “exitosa”. Questionado até quando será possível conter o avanço dos criminosos, ele disse que o trabalho de inteligência funciona 24 horas e que a polícia age preventivamente quando há indícios de tentativas de invasão, mas não prometeu sucesso na operação:
— Garantia 100% a gente não tem como dar. Segurança Pública é um corpo vivo. Nós temos realidades completamente diferentes de manhã, à tarde, à noite e na madrugada — concluiu o secretário.
A situação nessa região já levou o governo estadual a desencadear dois projetos. Em janeiro de 2022, o governador Cláudio Castro inaugurou o programa Cidade Integrada prometendo levar aos mais de 4,5 mil moradores da Favela da Muzema desenvolvimento econômico, infraestrutura e, principalmente, segurança pública. Na época, a comunidade era controlada por milicianos, que tinham uma forte atuação no mercado ilegal da construção civil. Passados dois anos, a paz continua longe de ser alcançada.
Em julho, a Secretaria de Segurança deu início à Operação Ordo — que significa ordem — em favelas onde há disputa territorial entre o Comando Vermelho e milícias. Ela acontece em pelo menos 14 comunidades dessa parte da Zona Oeste e mais de uma centena de suspeitos já foram presos.
Para controlar a situação na região no entorno da Estrada do Itanhangá, a PM mobilizou homens do Bope, do 31º BPM (Recreio dos Bandeirantes), do Batalhão de Rondas Especiais e Controle de Multidões (Recom) e do Batalhão Tático de Motociclistas. Para desbloquear a estrada, os agentes usaram dois caveirões, dois caminhões e até um trator. Na entrada da Muzema, na Rua C, era possível notar nas paredes pichações com as inciais CV. Quem mora no local ficou assustado com o que ocorreu, mas a maioria evita fazer comentários com medo de represálias.
— Só sei que isso aconteceu mais cedo. Mas não vi nada porque estava dormindo — disse um morador, antes de sair apressado.
A briga entre o Comando Vermelho e a milícia nessa região envolve o controle de um mercado lucrativo com a exploração de negócios ilegais, como a venda de sinal clandestino de TV a cabo e internet, de botijões de gás e de garrafões de água, além da cobrança de taxas de segurança e a construção de imóveis sem licença. Com a expansão territorial naquela região, o CV adotou a mesma prática de extorsões, que, antes, era uma marca da milícia.
Na Muzema, por exemplo, moradores de condomínios têm sido obrigados a pagar por cobranças que variam entre R$ 50 e R$ 60 por cada apartamento, dependendo do tamanho da moradia. Também há taxas sobre a venda de gás, de água engarrafada e até cigarros. Ontem, a reação dos bandidos para tentar atrapalhar a ação policial foi a de enviar homens em motos para a Estrada do Itanhangá, que dá acesso às comunidades. Eles interceptaram os nove coletivos ao longo da via, em trechos próximos das favelas.
A disputa por território entre o Comando Vermelho e a milícia foi ainda mais violenta na Gardênia Azul, no Anil, onde os traficantes conseguiram dominar a comunidade. A facção também já explora negócios ilegais em partes de Vargem Grande, Vargem Pequena e Recreio dos Bandeirantes. Investigação da Polícia Civil aponta que a ordem para expansão partiu da cúpula da facção criminosa. Entre os chefes por trás dessa estratégia estão Edgar Alves de Andrade, o Doca, ou Urso, do Complexo da Penha, e Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, do Complexo do Alemão. Os dois estão com as respectivas prisões decretadas pelo Tribunal de Justiça do Rio e são considerados foragidos.
Em nota, a PM informou que o policiamento ficará reforçado na região por equipes do 31º BPM e do Recom para evitar novos ataques.