Atrasos, superlotação, nova dinâmica de embarque: as reclamações dos passageiros das barcas, que terá redução de tarifa

Governador Cláudio Castro anunciou a redução da tarifa da linha Arariboia para R$ 4,70 a partir do próximo dia 24; a linha Charitas já opera com a tarifa de R$ 7,70

Um dia após o governador do Rio, Cláudio Castro, anunciar a redução da tarifa da linha de barcas Arariboia de R$ 7,70 para R$ 4,70, uma equipe do EXTRA percorreu essa e outras rotas entre Rio e Niterói, entre a noite de quinta-feira e a manhã desta sexta-feira, para avaliar as condições do transporte aquaviário e ouvir os passageiros que dependem do serviço. Entre as principais reclamações estão a mudança na dinâmica de embarque, frequentes atrasos, problemas no sistema de bilhetagem, superlotação e falhas na climatização de algumas embarcações. O governo do estado, no entanto, ainda não divulgou o custo total da redução da tarifa para os cofres públicos, apenas explicou que o valor a ser compensado será calculado com base em “milhas náuticas”.

A linha Arariboia, que em 20 minutos liga a Praça Arariboia, em Niterói, à Praça XV, no Centro do Rio, terá valor reduzido partir do dia 24 deste mês. O valor embolsado pelo governo do estado, para compensar a tarifa, ainda não foi divulgado. A nova redução ocorre após outro ajuste tarifário, feito no início de março, quando a linha Praça XV-Charitas, também em Niterói, passou a cobrar R$ 7,70 — antes, a viagem custava R$ 21. Essas mudanças foram resultados de um acordo entre o governo do estado, por meio da Secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana, e a Prefeitura de Niterói.


Durante dois dias de viagens entre as linhas Charitas e Arariboia, que conectam o Rio de Janeiro a Niterói, o EXTRA registrou o dia a dia das centenas de passageiros, que exigem melhorias no sistema mesmo após a passagem ficar mais em conta.


Charitas x Praça XV

Na última quinta-feira, em pleno horário de rush, entre as 17h30 e as 18h, passageiros que aguardavam na estação da Praça XV, no Centro do Rio, para embarcar em direção a Charitas e chegar em casa, relataram uma mudança significativa no processo de embarque e lotação devido à redução da passagem.


Antes, as barcas liberavam o embarque faltando poucos minutos para o horário marcado, permitindo que os passageiros garantissem um bom lugar e a partida acontecesse pontualmente. Agora, o embarque passou a ocorrer no horário exato, mas a partida frequentemente acontece com atraso, gerando frustração entre os passageiros, que chegam pontualmente na estação, mas se veem atrasados devido à demora na partida.


— Antes, a catraca não fechava antes das 17h20, agora fecha, porque está atingindo a lotação antes do horário. O preço mais em conta aumentou muito o fluxo de pessoas — disse o estudante Lucas de Oliveira Poroca, de 21 anos.


O comentário do estudante faz sentido. Com a redução de 63,3% no valor da passagem da linha Charitas, as embarcações passaram a lotar mais rapidamente, atingindo a capacidade máxima em um curto espaço de tempo. Isso gerou uma espécie de “dança das cadeiras”: quem consegue um lugar sentado se considera privilegiado.

Como resultado, a estação começou a bloquear a catraca antes do horário limite, quando os portões costumam fechar, para evitar que mais passageiros entrem e a embarcação ultrapasse a lotação. Vale ressaltar que as embarcações da linha Charitas têm capacidade média para 350 pessoas sentadas, e não é permitido viajar em pé, o que torna ainda mais evidente o desafio de acomodar todos os passageiros.

Nesta sexta-feira, às 8h30, em pleno horário de rush, o GLOBO fez o caminho inverso, saindo de Charitas em direção à Praça XV. Assim que os portões abriram, os assentos dos dois andares da barca Ingá II, uma das mais antigas (de 2006), foram rapidamente ocupados. O ar-condicionado da Ingá II só dava vazão na parte da frente da embarcação. Durante a viagem, a temperatura na parte traseira parecia aumentar, deixando a experiência desconfortável para os passageiros.

— Quem chega depois que os portões abrem acaba ficando de castigo nos fundos, não tem ar nessa aqui — disse uma passageira.

Procurada para se pronunciar sobre os problemas verificados, a Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade Urbana (Setram) informou que a restrição de embarque se deve à capacidade das embarcações e ao aumento no número de passageiros — o movimento na linha Charitas - Praça XV aumentou 57% — após a redução da tarifa no trecho. A Setram informou ainda que a partida da embarcação só ocorre após a entrada de todos os passageiros (veja a resposta completa ao fim da matéria).

Arariboia x Praça XV
Na viagem até a Praça Arariboia, na barca Corcovado, uma das mais novas, de 2015, o primeiro andar foi o primeiro a lotar, sempre com um grupo concentrado na frente da porta, já de olho na saída. No segundo andar, os poucos lugares restantes foram rapidamente ocupados, e outros passageiros se acomodaram em pé durante a travessia. O ar-condicionado da embarcação funcionava bem, garantindo um ambiente mais confortável para quem conseguiu um lugar sentado.


Para o bancário Felipe Velasco, que mora em Niterói, e trabalha em Botafogo, na Zona Sul do Rio, o ajuste na passagem da linha não alterou a movimentação no trajeto Praça XV x Arariboia.


— Está sempre cheia, como antes. O que senti mudar foi o horário de saída. Antes abria um pouco antes para os passageiros e saía pontualmente no horário marcado. Agora abre no horário marcado e sai alguns minutos depois. Eu não chego mais no horário que eu chegava, nem em Niterói, nem no Rio — conta Felipe Velasco.


Às 6h da manhã desta sexta-feira, o dia já havia raiado e pelo menos cem pessoas aguardavam a liberação do portão de embarque da estação de barcas da Praça Arariboia, que realiza viagens em direção a Praça XV, no Centro do Rio. O horário das 6h é o segundo do dia na estação, sendo o primeiro às 5h40.


Assim que os portões abriram, às 6h08, os passageiros entraram rapidamente na barca Itacoatiara, uma embarcação nova de 2016, com destino à Praça XV. O objetivo era garantir um bom lugar, já que, naquele horário, a barca ainda não estava lotada, com no máximo duas pessoas por fileira de poltronas. Nesta embarcação, o ar-condicionado funcionava perfeitamente, e alguns passageiros até tiraram casacos das mochilas devido ao ambiente fresco.


No entanto, a embarcação, que tinha horário marcado para sair às 6h, só partiu às 6h20, com um atraso de 20 minutos. O clima entre os passageiros era de resignação, como quem já está acostumado aos atrasos da barca.


Para Carolina Peregrino, que todos os dias pega a barca das 9h na estação Arariboia, em Niterói, a ida é quase sempre tranquila, com ar-condicionado funcionando e sempre encontrando lugar para sentar. No entanto, a volta, entre as 18h e as 19h, exige paciência. Ela recomenda programar os horários levando em consideração os frequentes atrasos da barca.


— À noite, na volta sempre atrasa e voltamos em pé. De manhã é um pouco mais tranquilo, você consegue pegar umas barcas, dessas novas, com ar-condicionado, mas também atrasa. O pós-carnaval deixou tudo sujo, tem muita sujeira nas barcas. O que eu e meu marido fazemos é nos programar e adequar nossa logística de horário com o atraso da barca — disse Carolina Peregrino, que trabalha no Rio e mora em Niterói.


A volta, da Praça XV para a Praça Arariboia, não foi muito diferente do caminho inverso. Desta vez, a barca Pão de Açúcar, um modelo de 2014, estava quase vazia e levou os passageiros até Niterói por volta das 9h17, com um atraso de sete minutos após o aviso de partida. A embarcação, totalmente refrigerada, ofereceu uma viagem tranquila. No entanto, durante a viagem, uma mulher chegou a atender o telefone com seu chefe, justificando o atraso pela demora na partida da barca.


— Na terça-feira, cheguei super atrasada na escola, peguei a barca das 6h30 e ela só saiu às 7h. Cheguei no colégio às 8h30. Sempre atrasa — contou uma adolescente.


Na última quinta-feira, antes de o governador chegar para fazer o anúncio da redução da tarifa para a linha, a passageira Tassia Lattamzi, de 40 anos, que trabalha no Centro do Rio e mora em Niterói, contou que a medida só faria diferença no bolso, e não nas condições do transporte.


— Esse ajuste não vai mudar em nada, vamos continuar reclamando. Eu acho que a pior questão é a do horário. Porque a gente chega, como eu estou aqui, e ficamos esperando mais de 30 minutos até a barca chegar. Antigamente tinha horário certo. Era de 10 em 10 minutos — disse a passageira.


Problemas no sistema de bilhetagem

Com a mudança de concessionária, houve uma alteração no bilhete de quem compra na hora: agora, é um tíquete de papel com QR Code, substituindo o antigo cartão que era utilizado pela CCR, a concessionária anterior.


Passageiros que tentam utilizar o cartão de crédito diretamente nas catracas enfrentam dificuldades de acesso, sendo necessário, em alguns casos, pedir suporte aos fiscais ou à administração, já que o leitor de bilhete não está liberando a passagem corretamente.


— Não notei uma grande diferença, não. Vi que agora os bilhetes são os tíquetes com QR Code. Desde que não piore, por mim está ótimo — disse a atendente de telemarketing Daniele Apolinário, que mora em São Gonçalo e trabalha no Centro do Rio.


Nova concessão

No mês passado, o sistema de barcas do estado mudou de concessão, sendo comandada pela Barcas Rio desde o dia 11 de fevereiro. A mudança ocorre em meio a reclamações de passageiros, que relatam ausência de climatização nos transportes, superlotação e o alto tempo de espera pelas barcas.


— Tudo é uma questão de processo. Quando a gente olha a barca, ela é super lotada no momento de rush e vazia no momento que você não tem rush. Isso causa um prejuízo enorme, porque você não tem capacidade financeira para investir em novas barcas, nem para melhorar o serviço. A conta que foi feita, tanto pela prefeitura, quanto pela Secretaria Estadual de Transporte, é que essa redução, na verdade, ela vai gerar mais caixa. Por incrível que que pareça, vai gerar mais caixa para concessão, porque ela vai passar a ter um grande período onde as pessoas voltam — explicou o governador do Rio, Cláudio Castro.


Quanto vai custar ao estado?

Para a tarifa caber no bolso dos passageiros, o governo do estado arcará com os subsídios para compensar o valor. Segundo o governo, o custo do subsídio não é calculado com base no número de passageiros, mas sim por “milhas náuticas” — unidade de medida usada para distâncias marítimas. No entanto, o valor exato que será desembolsado para viabilizar a redução da tarifa ainda não foi divulgado, pois, segundo o órgão, estão “verificando com os técnicos”. No ano passado, as barcas transportaram 10.366.000 passageiros, segundo o portal Data Rio, da Prefeitura do Rio, compilando dados da Barcas S.A. Se todos esses passageiros pagassem a tarifa com a redução de R$ 3 anunciado por Castro, isso representaria uma redução no faturamento de R$ 31 milhões.


Em relação a diminuição da passagem, o deputado estadual Flávio Serafini afirmou que vai pedir esclarecimentos à Secretária de Transporte sobre a medida. Para o parlamentar, a tarifa alta afasta o usuário, mas é preciso que o estado tenha transparência nessa movimentação.


Na última quinta-feira, antes de anunciar o ajuste no valor da tarifa da linha Arariboia, Castro desembarcou na estação, em Niterói, e contou sobre o que foi preciso ser feito para que a barca não “parasse”. Também presente, estavam o secretário de Transporte e Mobilidade Urbana, Washington Reis, participou da coletiva, assim como o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves.


— A barca ia parar, eu liguei para o presidente da concessionária na época e pedi que a barca não parasse, eu ia pagar. A passagem no Rio de Janeiro é a mais cara, por isso tínhamos que olhar para essa questão. E conseguimos, junto ao Rodrigo Neves (prefeito de Niterói) e por conta da mudança de concessionária também — disse Castro.


Segundo a Prefeitura de Niterói, comandada por Rodrigo Neves, a redução da tarifa da linha Charitas, de R$ 21 para R$ 7,70, será parcialmente subsidiada pelo município, que arcará com cerca de um terço do valor, podendo chegar a R$ 2 milhões por mês, dependendo da demanda de passageiros. O contrato, conforme a Câmara de Vereadores de Niterói, é de R$ 20 milhões por um período de 10 meses.


Já a redução da tarifa da linha Arariboia será subsidiada integralmente pelo governo do estado, que ainda não detalhou quando e quanto essa conta irá custar aos cofres públicos.


Resposta da Secretaria estadual de Transporte

"A Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade Urbana (Setram) informa que, atualmente, cerca de 48 mil pessoas utilizam o sistema aquaviário todos os dias. A linha Arariboia é a de maior demanda, com cerca de 36 mil embarques por dia útil, seguida da linha de Charitas (média de 6.500 passageiros), Paquetá (média de 3.500 passageiros), Cocotá (média de 1.500 passageiros) e Divisão Sul (média de 500 passageiros).


Após a redução da tarifa, de R$ 21 para R$ 7,70, a linha Charitas - Praça XV registrou aumento de demanda de 57%, em comparação aos dias úteis do mês de fevereiro, antes da mudança.


A capacidade das embarcações varia de 230 a 2.000 passageiros. Vale destacar que não é permitido viajar em pé em algumas delas, devido a características específicas. A disponibilidade das embarcações está diretamente ligada à demanda de passageiros.


Uma das mudanças mais importantes foi a aplicação do leitor para cartões de débito e crédito e do QRCODE, que têm agilizado o ingresso de passageiros. Nas estações, há funcionários do consórcio para dar apoio e tirar dúvidas dos passageiros, caso necessário.


Quanto à afirmação sobre problemas logísticos, é preciso informar dia e horário do ocorrido, para que possamos verificar pontualmente. Mas destacamos que as operações envolvem atender o horário registrado para viagem com o correspondente momento de travamento dos bloqueios de acesso, o que garante cumprir o horário programado. No entanto, a partida da embarcação ocorre somente após a conclusão do embarque de todos os passageiros. Além disso, por questões de segurança, o processo de desatracação é realizado apenas após todos os procedimentos internos serem realizados, incluindo a comunicação entre a tripulação de convés e o comandante, assegurando uma operação segura e eficiente".

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