Primeira Turma da Corte analisa acusação contra 'núcleo crucial' de suposta trama golpista
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, nesta terça-feira as duas primeiras sessões do julgamento da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas por uma suposta tentativa de golpe de Estado. O julgamento foi suspenso após a Corte afastar as preliminares impostas pelos advogados de defesa e será retomado nesta quarta-feira, às 9h30.
Caso a maioria decida aceitar a denúncia, o ex-mandatário e os outros integrantes do "núcleo central" vão virar réus. Relator do caso, o ex-ministro Alexandre de Moraes deu início à sessão com a leitura das acusações, na qual destacou a participação do ex-presidente. Bolsonaro acompanha o julgamento no plenário do colegiado.
Em seu relatório, Moraes transcreve trechos da denúncia apresentada pela PGR no mês passado. O ministro destacou que a acusação narra que os membros da suposta organização criminosa "minaram em manobras sucessivas e articuladas os poderes constitucionais diante da opinião pública e incitaram a violência contra as suas estruturas". O magistrado leu dois trechos da acusação: um do início, em que é feito um resumo dos "crimes contra as instituições democráticas", e outro da conclusão da denúncia.
— Autoridades públicas colocaram em risco iminente o pleno exercício dos poderes constitucionais — disse Moraes.
Ao ler o relatório oferecida pela PGR sobre a trama golpista, o relator também refutou algumas questões que foram levantadas pelas defesas dos acusados que estão sendo julgados nesta terça-feira, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foram elas:
"Document dump" - o despejo de documentos no processo que inviabilza o pleno exercício da defesa;
"Pesca predatória" - uma alusão a investigações que buscam grandes quantidades de dados para só depois verificarem se há alguma irregularidade entre eles;
Anulação da delação - advogados dos acusados ainda pediram a nulidade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que foi peça-chave no processo.
Ao se manifestar no julgamento, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, reforçou o entendimento que Bolsonaro atuou de forma direta para uma ruptura institucional. Segundo ele, tanto Bolsonaro como o ex-ministro Walter Braga Netto assumiram papeis de protagonismo na trama.
— A partir de 2021, o ex-presidente proferiu discursos em que adotou o tom de ruptura institucional — afirmou Gonet. — A denúncia retrata acontecimento protagonizados pelo agora ex-presidete Jair Bolsonaro, que formou com outros civis e militares a organização criminosa que tinha com objetivo gerar reações que garantissem a sua continuidade no poder independentemente do resultado das eleições de 2022.
Em seguida, cada advogado dos oito acusados teve 15 minutos para apresentar seus argumentos de defesa. Entre os pontos levantados estão a ausência de provas, a invalidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, peça-chave da investigação, além da ausência de outros integrantes do governo passado no processo.
Do púlpito, o advogado Celso Vilardi, que coordena a equipe jurídica de Bolsonaro, argumentou que o crime atribuído a seu cliente, de atentar contra um governo legitimamente eleito, seria "impossível", pois ele era o presidente na época.
— Estamos tratando de uma execução (de golpe) que se iniciou em dezembro tratando do crime contra o governo legitimamente eleito. Qual era o governo legitimamente eleito? Era o dele (Bolsonaro). Então, esse crime é impossível — disse Vilardi, que também negou participação do ex-presidente nos atos do 8 de janeiro.
Já p advogado do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, Demóstenes Torres, questionou o porquê de os demais comandantes das Forças Armadas, o general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica), não foram inseridos na denúncia da trama golpista.
Demóstenes afirmou que, embora o plano de insurreição de Bolsonaro tenha começado, segundo a PGR, em julho de 2021, Garnier só é inserido na trama em novembro de 2022 "quando assinou, segundo a PGR, por ordem de Jair Bolsonaro, uma nota oficial a favor da liberdade de expressão, em conjunto com os comandantes do Exército e da Aeronáutica, publicada no site oficial da Força Aérea Brasileira".
— Se os três assinaram, por que só o almirante Garnier aderiu ao plano golpista? E os outros dois? Por que não foram inseridos na denúncia? — questionou.
O advogado Sebastião Coelho, que representa o ex-assessor da Presidência Filipe Martins, foi detido por desacato logo no início da sessão. Martins não é um dos alvos do julgamento desta terça-feira. Ao ser barrado na entrada do plenário da Primeira Turma, o advogado se irritou e começou a gritar "arbitrários!". Os gritos do defensor foram ouvidos de dentro da sala (veja o vídeo). Ele foi liberado logo em seguida.
Estão marcadas três sessões para a análise da acusação, duas nesta terça (de manhã e à tarde) e uma na quarta-feira de manhã.
Ao analisar uma denúncia, os ministros avaliam se há indícios mínimos da autoria de um crime. Em caso positivo, é aberta uma ação penal, quando os réus prestarão depoimento e tanto a PGR quanto a defesa poderão indicar testemunhas e pedir a coleta de provas. Apenas ao final desse processo o mérito do processo é analisado, com uma absolvição ou condenação.
Ao todo, a PGR denunciou 34 pessoas pela suposta trama golpista que teria ocorrido entre o final de 2022 e o início de 2023. A acusação, no entanto, foi dividida em cinco núcleos, para facilitar a tramitação.
A Primeira Turma analisa nesta terça a denúncia contra o chamado "núcleo crucial" da suposta organização criminosa. Também fazer parte dele, segundo a PGR, os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa).
Ainda compõem o grupo o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, atual deputado estadual, e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Desde o fim de 2023, os processos criminais no STF são analisados nas duas turmas, compostas cada um por cinco ministros, e não no plenário. A denúncia sobre trama golpista ficou sob responsabilidade da Primeira Turma porque o relator, Alexandre de Moraes, faz parte dela.
Também integram a turma a ministra Cármen Lúcia e os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. Caso três deles votem para aceitar a denúncia, será formada a maioria necessária.
Segurança reforçada
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem segurança reforçada nesta terça-feira para o julgamento que vai decidir se o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados vão virar réus pela trama golpista. Na véspera, a Corte passou por uma varredura, e o esquema nesta manhã inclui cães farejadores.
Há também um reforço contra ciberataques. Um plano de segurança foi elaborado em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Haverá um policiamento reforçado e um controle de acesso mais rigoroso. O reforço também ocorre na segurança digital, contra eventuais ataques hackers.
Outro diferencial é a transmissão da TV Justiça — que é regra no plenário, mas só acontece nas turmas em casos excepcionais. Além disso, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai fazer pessoalmente a sustentação oral, função que nas turmas geralmente fica com subprocuradores.